terça-feira, 21 de julho de 2009

Presente de aniversário para o pai de um puto falido (em cheta menor)

Então ali estava eu. Numa qualquer esquina de Lisboa. O calor da noite balançava a cada brisa que se fazia sentir, enquanto a espera se fazia suportar cigarro após cigarro. Pensei em ligar, mas a intenção esbarrava na falta de saldo que assombrava o meu telemóvel. «Onde poderá ele estar?», questionava uma mente livre das preocupações normais de um gajo da minha idade, enquanto observava o desfile de individualidades que aparentavam possuir uma vida própria. Começava a sentir-me incomodado perante este espectáculo, mas não podia arredar pé. Afinal aquele era o ponto de encontro previamente acordado e só tinham passado quatro minutos da hora estabelecida. A vida à minha volta tornava desconfortável a minha existência. Toda a minha consciência se contorcia enquanto se afundava naquele banho de frustração. Como poderia ter deixado as coisas chegarem a este ponto? Como pude adormecer enquanto o mundo acontecia? Não era mais do que o resultado falhado da experiência de dois progenitores que haviam remado para além do limite das suas forças, em linha recta, rumo a um mundo melhor com o qual pudessem presentear a geração que se lhes seguia. Mais dois minutos passariam. O desconforto tornava-se maior. Já não conseguia permanecer imóvel. Movia as pernas, flectia ligeiramente os joelhos em movimentos curtos, rápidos e esquizofrénicos. A música cuspida dos headphones começava a incomodar-me, fosse ela qual fosse. Desliguei-os e acendi mais um cigarro. Procurei outro local nos corredores do meu cérebro. Cheguei às gavetas da memória e fui abrindo uma por uma. Boas e más memórias saltavam das gavetas ao meu encontro. Descartei a maior parte delas, mas sabia que necessitava de agarrar uma para que aquele momento não se transformasse numa montanha de frustração que decerto me esmagaria. Foi então que surgiu. Não era uma memória longínqua. A meia-noite que abria os portões para o meu 23.º aniversário. A mensagem que caía no meu telemóvel. «Mil chochos de parabéns.» Era dele. Não estava a meu lado quando dava o primeiro passo em mais um ano de uma existência resultante de uma sinfonia que ele compôs com a minha mãe. Foi o melhor presente de aniversário que me ofereceram (existiram outros presentes igualmente satisfatórios, mas, por questões temporais, não se inseriam na “temática” do meu aniversário). Perante a minha família, que me congratulava por algo que eu não influenciei em nada – o meu aniversário – desesperava por uma notícia dele, que tinha sofrido o revés de pernoitar no hospital. A manhã seguinte ficaria marcada pelo seu sorriso, ao entrar em casa e ao olhar para o aniversariante. Estava visivelmente abatido pelo exame ao qual foi sujeito, mas aquele sorriso vencia todo o seu cansaço. «Ginjão!», atirou-me ele, antes de se dirigir para o quarto a fim de obter um merecido descanso. Cá fora, no mundo, na rua, na esquina, não fui capaz de capaz de conter o meu sorriso, antes de expelir o fumo do cigarro que já havia inspirado. Engasguei-me. Tossi como se tentasse expelir uma pedra ardente dos pulmões. E foi aí que ouvi a sua voz. «Tens que fumar menos», clamou, em jeito de final de ilação. Eu tinha emergido do mar de memórias no momento em que ele se aproximava de mim. Olhei-o, enquanto tentava mostrar agrado no meio daquela tempestade de tosse. Deu-me uma palmada nas costas, como se eu estivesse engasgado. Compus-me. Voltei a olhá-lo enquanto ele me dava um maço de cigarros por abrir para a mão. «Não tenho que te dar dinheiro para cigarros», informou-me. Assenti ao pender a cabeça. «Pai, podes também dar-me uns trocos para beber um café?»