sábado, 2 de agosto de 2008

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Weird Fishes - Radiohead

Ao acordar, deparei-me com um lençol branco que me permitia vislumbrar somente o seu vulto sentado na berma do colchão. Distinguia perfeitamente as linhas que a desenhavam a ela, e à Bruce Vega. Afastei discretamente o lençol para observar as suas costas com todos os pormenores que mereciam ser retidos, expostos à parca luz que atravessava as cortinas na sua direcção, e deixei escapar um sorriso, satisfeito por descobrir a química que a ligava à minha guitarra.

A dado momento, cruzou as pernas, inclinou-se para a frente e começou a dedilhar as cordas. Movia suavemente o braço esquerdo enquanto marcava os acordes e balançava a cabeça e o tronco ao som do ritmo por si imposto, compondo uma melodia que me transmitia uma indeterminada familiaridade.

Relaxado, tentava identificar a música, mas só o consegui fazer após ouvir, da sua boca, o primeiro verso. Ser brindado com Radiohead suavizava todo o meu processo de despertar. Saía de um sonho e entrava noutro, em perfeita harmonia.

A sua voz suspendia perfeitamente no ar, levada pelas ondas que me envolviam cada vez mais.

In the deepest ocean

The bottom of the sea

Your eyes

They turn me


Why should I stay here?

Why should I stay?


A sua voz parecia-me mais bela a cada palavra cantada, nesta versão tão dela e tão pouco de Thom Yorke. Enquanto a música prosseguia, os meus olhos habituavam-se à diminuta iluminação e eu já conseguia distinguir os traços do seu corpo com maior nitidez.

I’d be crazy not to follow

Follow where you lead

Your eyes

They turn me

O cariz abstracto das letras de Yorke esbarrava agora com a perfeição com que ela formava os versos, adaptados aquele momento determinado, conjugados com a ligeira ondulação com que o seu cabelo adulava o som e com a tímida dança que ia escapando pelos seus ombros…

Eu seria realmente louco ao não seguir os trilhos atrás de si e ela mostrava-me isso agora, com uns acordes simples e uma voz segura.

You’re melting into butter

No final, não resisti, estiquei o braço e percorri, com o indicador, os ténues socalcos por baixo das suas omoplatas. Ela olhou para mim e sorriu.

«Não sabia que tocavas tão bem», disse-lhe.




terça-feira, 1 de abril de 2008

It has to start someplace, it has to start sometime...

What better place than here?


What better time than now?





ALL

HELL

CAN'T

STOP

US

NOW!

terça-feira, 25 de março de 2008

Boys From Nowhere - Turbonegro

A nossa noite de despedida do Porto culminou num estado de ressaca sem precedentes, com sérias consequências para os nossos afazeres matutinos. Enquanto me debelava com as águas turvas que afogavam as minhas tentativas de raciocínio e me impediam de descodificar as figuras que surgiam no mostrador electrónico do horário dos comboios, a sombra do homem que o Jay tinha sido até há umas horas ocupava o seu lugar na fila para o Multibanco.

Tinha acabado de recuperar uns fogachos do meu raciocínio, quando o Jay se aproximou de mim.

«Já comprei bilhetes para nós. Só tinha dinheiro para o Inter-regional. Parte daqui a 20 minutos».

«Não faz mal, naquele estado, o Chico só perceberá que não estamos no Alfa Pendular quando chegarmos à Gare do Oriente.»

«Bem, carregas tu o gajo, que eu levo as mochilas».

O nosso amigo “semi-tripeiro” estava, realmente, numas condições lastimáveis. Após ter deixado, em duas longas e dolorosas etapas, o conteúdo do seu estômago nas ruas da Invicta, Chico ressonava agora, encostado a uma parede da estação.

«’Tá a andar, mitra! Temos um comboio para apanhar»

Quis o bom senso que acabássemos por dividir o peso das malas…e do Chico.

Conseguimos um bom lugar, composto por dois bancos corridos, só para nós, o que nos permitia um assinalável conforto, especialmente, se fosse tido em conta o tempo que iríamos demorar a chegar à capital.

Após a primeira hora, o meu aborrecimento já começava a morder. Decidi irritar o Chico, que ainda tinha ligadas as turbinas do ronco.

«Acorda, ranhoso! Chegámos», disse-lhe ao ouvido.

Chico sentou-se, agarrou na mala mais próxima e reparou no nosso ar jocoso.

«Bardamerdinha para ambos! Está aqui um gajo todo lixado e vocês a gozar. ‘Tou cheio de gripes!»

«E eu estou cheio de ressacas», retorqui.

«E eu», respondeu o Jay, visivelmente transtornado, «não tenho mortalhas».

A viagem afigurava-se verdadeiramente violenta…estado que se alterou somente a cerca de três horas do nosso destino, quando as minhas condições cerebrais me permitiram lembrar-me de que me encontrava em posse do meu leitor de mp3 e, melhor ainda, de um par de colunas.

- Jay, qual é, na tua iluminadíssima opinião, a música ideal para nos guiar durante o percurso restante desta árdua jornada? - inquiri.

- Talvez Rage Against the Machine.

- Isso! Isso! – exclamou o Chico, sentando-se repentinamente no banco.

- Não é má ideia – respondi enquanto percorria a lista de intérpretes que a capacidade do engenho me permitia armazenar – mas acho que acabei de encontrar a música ideal.

O estrondo que ecoou mal carreguei no “play” não permitia quaisquer dúvidas aos presentes. Estávamos perante os Turbonegro. A sensação de cumplicidade que senti por parte dos meus companheiros de viagem (e de rambóia, e de banda, e dos bons momentos, e dos maus momentos, e de toda uma vida) foi o suficiente para saber que tinha feito a escolha certa.

A força avassaladora destilada na música dos noruegueses era a estalada na cara que precisávamos para nos motivar a enfrentar a restante distância que os carris nos reservavam. O modo aleatório fazia saltar as músicas de álbum para álbum. Entre Party Animals, Ass Cobra, Scandinavian Leather e Retox, parecia que comboio descarrilava.

Após o final da faixa Death From Above, estremeci ao ouvir os acordes iniciais da Boys From Nowhere. A nossa reacção foi simultânea: levantámo-nos os três. Numa viagem deste cariz, seria um crime não absorvermos a força bruta que esta música produzia. Embora o riff de Euroboy já tivesse destruído, na nossa cabeça, tudo aquilo que nos rodeava, a voz de Hank Von Helvete (Hank do Inferno) surgiu para expandir a sensação de caos. Se com as músicas anteriores, a locomotiva apresentava dificuldades em manter-se sobre os sulcos metálicos, agora iria certamente enfaixar-se contra as paredes de um túnel.

E foi, no auge, já com a vista repousada nos arredores de Lisboa, que gritámos, simultaneamente o final do refrão:

Because when the world is over

We’re still the boys from nowhere

And tonight

Tonight we’re coming home.

Não voltaríamos a ter uma entrada tão triunfante em Santa Apolónia.



sábado, 1 de março de 2008

É dia 1!!!!!!!

Hoje é um dia glorioso. Para mim, é assim há 25 anos, para outros será há 32. Neste preciso dia, no ano de 1976, a minha mãe deu-me uma prenda…seis anos e quatro dias antes de eu nascer. Um presente de baixa estatura, é vero, mas de dimensões mundiais. Era exactamente o que eu precisava para iniciar o meu caminho nesta calçada. É uma realidade: nasci já com direito a um ídolo, a um amigo e a mais amor. Decidi aparecer seis Invernos após o MEU mano, o Pipa, e ele, cá me esperava, recebendo-me da mesma forma como viria a permanecer na minha vida. Amor, amizade, cumplicidade, tudo derivado da mesma fonte inesgotável e sempre, sempre presente. O MEU mano, pobre em altura, mas uma pessoa do tamanho do universo. Pois é. Hoje o Pipa faz anos e eu vou fazer daqui a quatro dias, mas este é aquele presente que desembrulho sempre antes.

Obrigado mãe... e Parabéns Pequeno Gigante.

"Gosto de ti porque gosto,
Gosto de ti porque sim,
Gosto de ti porque sei,
Que tu também gostas de mim!"



Toda a gente devia ter uma Biffa

- Chegámos mesmo no momento certo.
- Babe, contigo estou sempre no momento certo....



....eu acho que toda a gente devia ter uma Biffa....mas só há uma e é a minha.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fim da canção

Senti a estrutura inteira do aeroporto a cair-me em cima logo após a minha entrada. Enquanto me afogava na angústia que tentava esconder, a Bia caminhava ao meu lado, silenciosa como eu. Já não éramos “oficiais” há cerca de três anos mas, com vários hiatos pelo caminho, conseguíamos manter uma ligação – uma espécie de relação “pós-relação” – que aparentava conter mais teimosia que amor ou amizade. Entre dilúvios de frustração e longos ciclos de apatia, surgia sempre um trovão que nos impelia a retomar o contacto. E nós, obstinados, carregávamos ambos o peso das nossas cicatrizes numa caminhada que aparentava nunca cessar.

Agora, a Bia ia partir e a minha frustração nunca antes parecera tão avassaladora. Não tinha reacção, o meu fio do raciocínio estava em novelo. Enquanto batalhava com a guerra civil que ocorria no meu estômago, sentia a injustiça de tudo isto e suava… Até que estaquei. E ela também. Senti a sua mão a agarrar na minha.

«Não faças isso», retorqui. Ela não fez caso e segurou-a com força, soltando um sorriso de ilógica e despropositada cumplicidade. Conhecia-me demasiado bem. Bastava aquele sorriso para que eu espezinhasse as hesitações e ela sabia-o, sempre o soube. Fizemos o resto do caminho abraçados e apreciámos, em silêncio, os derradeiros momentos da companhia um do outro.

Amor, amizade, camaradagem, pena, teimosia… Fosse o que fosse que nos tinha unido até aqui estava prestes a ruir. O ciclo terminava para ambos e, no fundo, era isso que eu havia procurado, em segredo, nos últimos e morosos meses. Passava a totalidade dos dias a analisar-nos, a observar-nos, tentando encontrar o ponto de ruptura desse cordão umbilical que nos sustentava como “nós”.

Enquanto Bia tratava do check-in, apercebi-me. As gigantescas proporções que caracterizavam a ironia desta situação não a impediram de se esgueirar por mim. Formou-se um leve esgar maquiavélico nas minhas feições que me apressei a esconder. Agarrei na mala de Bia e dirigimo-nos ao portão de embarque. Ela observou-me com desconfiança, mas acabou por não fazer caso. Chegados ao local das despedidas-cliché, abraçámo-nos longamente. Eu sentia a força dos seus membros superiores a esmagar-me o tronco, mas não consegui retribuir. Passei-lhe a mão nos longos cabelos negros e depositei um ósculo na sua testa. Quando ela virou as costas para partir, puxei-a para mim, aproximei os meus lábios do seu ouvido e sussurrei «chegámos ao fim da canção». Ficou estarrecida. Sabia exactamente o que eu queria dizer. Deixei-lhe um sorriso como recordação, larguei a sua mão e fiz-me ao caminho, acenando. Bia nunca iria perdoar-me…

sábado, 9 de fevereiro de 2008

O Daryl é que a sabia toda!


This is a new garden over old flowers
And old makes old jokes take on the feel of the lore
And new lips are cradled sense of humor
So don't waste wishes on him
Wish that one day they'd figure out how to shrink stars and I could keep one in my bedroom
And wish that me and her could grow old together
And wish that in my next life I come back as a tiger
These are fun wishes
In about seven minutes you can start
'Til then, you'll just listen to the radio from seat's edge
As if then it's the look on your face
As if, as if then you'll matter
And then I can't wait


- Hidden poem (kkbb) - GlassJAW

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Pink Steam

É impossível enganar-me quanto à melhor altura da nossa relação. Consiste exactamente em seis minutos e 58 segundos ocorridos durante uma das nossas viagens sem destino determinado. Já entardecia quando entrámos na estrada que se desenrolava ao longo da Costa Vicentina e percorremo-la à velocidade ideal – achava Bia uma excelente condutora que, como eu, desfrutava as viagens em si, sentindo-se desconfortável a velocidades excessivas. Estávamos completamente cobertos pelo manto de tons avermelhados com que o Sol poente aconchegava a paisagem, quando as colunas do carro soltaram toda a veemência da “Pink Steam”, dos Sonic Youth, e tudo o que se seguiu no decorrer da música pareceu resumir as nossas vidas. Conversávamos incessantemente desde o início da viagem e, naquele momento, sustivemos suavemente todas as nossas palavras até ao final da melodia. Na realidade, não estávamos concentrados na música, ela estava concentrada em nós e no carro e na praia e na planície à nossa frente. Tínhamos sido, pura e simplesmente, seduzidos por ela e esmagados pela sua torrente impetuosa. Acendi um cigarro e encostei-me para o lado observando a Bia enquanto ela conduzia. Estava no local certo, à hora certa, com a pessoa certa e a música certa. Naquele momento, para mim, aquele velho bólide era o único a circular no Mundo, transportando as duas últimas pessoas da Terra. Bia alternava a sua posição consoante a toada dos acordes, dirigindo aleatoriamente um rápido e cúmplice olhar para mim. Curvava-se para a frente, junto ao volante, de uma forma felina, reclinava-se majestosamente no banco, tirava-me o cigarro na mão e dava umas baforadas, sempre movendo a cabeça de acordo com o ritmo. Não conseguia tirar os olhos dela, estava tudo demasiado perfeito e eu, extasiado, não queria perder um segundo daquilo. A obra de Thurston Moore e seus compinchas tinha-se apoderado de nós, deixando-me indefeso, sem conseguir pensar em nada senão na minha Bia. A minha Bia durante estes avassaladores minutos, que nos deixavam a existência para desbravar e o desejo de que esta viagem nunca acabasse, decorrendo sempre pelo nosso silêncio gritante onde as palavras são completamente desnecessárias. Parecia o que os supostos entendidos sempre me descreveram como tântrico. Os elementos sonoros eram mantidos cativos, voando harmoniosamente, ascendendo e descendendo na sua perfeição e, quando os quatro membros do grupo ameaçavam libertá-los, entregá-los à sua própria explosão, dirigiam-nos de volta ao seu constante estado sublime. Éramos ambos esse som, sentíamo-lo e ele sentia-nos a nós. Então Moore decidiu cantar para nós e só para nós.

I just come by to run you over

I just come by to see you quiver

You can come you can slip inside babe

Killer eyes and a burning heart babe

Don’t you know you need no other

I’m the man who loves your mother

Open up your arms to me, girl
Let me feel your wild heart beat, girl
Sweet lips, flowers and cream
Deep in love, surrender pink steam

Deep in love, you need no other
Deep in love, your lonely lover

I feel your wild heart beat
Lonely lover
Open up to me
Lonely mother
Your sweet lips are mine

Like flowers and cream
Killer, killer eyes
Surrender pink steam

Um sorriso malicioso brotou pronto da face de Bia quando Moore proferiu «Killer eyes and a burning heart babe» e, enquanto eu observava o seu perfil, fixei-me nos seus caninos, que quase brilhavam. Encostada para trás no assento, dominava a estrada, dirigindo-me o seu olhar matador, que nunca antes me deixara escapar. Era esta a música. A música que esperamos, a dada altura das nossas vidas, que intervenha, porque todos temos a banda sonora que acompanha a nossa existência, seja ela composta pela mais profunda das depressões ou a mais eufórica das alegrias. Esta banda sonora tinha encontrado o seu auge.




quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Limpando as teias de aranha: primeiro post de 2008

«Functionless art is simply tolerated vandalism...
...We are the vandals.»

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