quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fim da canção

Senti a estrutura inteira do aeroporto a cair-me em cima logo após a minha entrada. Enquanto me afogava na angústia que tentava esconder, a Bia caminhava ao meu lado, silenciosa como eu. Já não éramos “oficiais” há cerca de três anos mas, com vários hiatos pelo caminho, conseguíamos manter uma ligação – uma espécie de relação “pós-relação” – que aparentava conter mais teimosia que amor ou amizade. Entre dilúvios de frustração e longos ciclos de apatia, surgia sempre um trovão que nos impelia a retomar o contacto. E nós, obstinados, carregávamos ambos o peso das nossas cicatrizes numa caminhada que aparentava nunca cessar.

Agora, a Bia ia partir e a minha frustração nunca antes parecera tão avassaladora. Não tinha reacção, o meu fio do raciocínio estava em novelo. Enquanto batalhava com a guerra civil que ocorria no meu estômago, sentia a injustiça de tudo isto e suava… Até que estaquei. E ela também. Senti a sua mão a agarrar na minha.

«Não faças isso», retorqui. Ela não fez caso e segurou-a com força, soltando um sorriso de ilógica e despropositada cumplicidade. Conhecia-me demasiado bem. Bastava aquele sorriso para que eu espezinhasse as hesitações e ela sabia-o, sempre o soube. Fizemos o resto do caminho abraçados e apreciámos, em silêncio, os derradeiros momentos da companhia um do outro.

Amor, amizade, camaradagem, pena, teimosia… Fosse o que fosse que nos tinha unido até aqui estava prestes a ruir. O ciclo terminava para ambos e, no fundo, era isso que eu havia procurado, em segredo, nos últimos e morosos meses. Passava a totalidade dos dias a analisar-nos, a observar-nos, tentando encontrar o ponto de ruptura desse cordão umbilical que nos sustentava como “nós”.

Enquanto Bia tratava do check-in, apercebi-me. As gigantescas proporções que caracterizavam a ironia desta situação não a impediram de se esgueirar por mim. Formou-se um leve esgar maquiavélico nas minhas feições que me apressei a esconder. Agarrei na mala de Bia e dirigimo-nos ao portão de embarque. Ela observou-me com desconfiança, mas acabou por não fazer caso. Chegados ao local das despedidas-cliché, abraçámo-nos longamente. Eu sentia a força dos seus membros superiores a esmagar-me o tronco, mas não consegui retribuir. Passei-lhe a mão nos longos cabelos negros e depositei um ósculo na sua testa. Quando ela virou as costas para partir, puxei-a para mim, aproximei os meus lábios do seu ouvido e sussurrei «chegámos ao fim da canção». Ficou estarrecida. Sabia exactamente o que eu queria dizer. Deixei-lhe um sorriso como recordação, larguei a sua mão e fiz-me ao caminho, acenando. Bia nunca iria perdoar-me…

1 comentário:

Patricia disse...

Ai pá tu pões uma pessoa deprimida logo de manhã. Estes teus textos arrepiam, mesmo!!!
Como sempre, fascinante a tua escrita...
Disseste que não era dos melhores, mas não concordo nada!
Essa "Bia" não sabe o menino que deixou para trás ;)

beijinhooooo

PS- Into the Wild? When?