terça-feira, 25 de março de 2008

Boys From Nowhere - Turbonegro

A nossa noite de despedida do Porto culminou num estado de ressaca sem precedentes, com sérias consequências para os nossos afazeres matutinos. Enquanto me debelava com as águas turvas que afogavam as minhas tentativas de raciocínio e me impediam de descodificar as figuras que surgiam no mostrador electrónico do horário dos comboios, a sombra do homem que o Jay tinha sido até há umas horas ocupava o seu lugar na fila para o Multibanco.

Tinha acabado de recuperar uns fogachos do meu raciocínio, quando o Jay se aproximou de mim.

«Já comprei bilhetes para nós. Só tinha dinheiro para o Inter-regional. Parte daqui a 20 minutos».

«Não faz mal, naquele estado, o Chico só perceberá que não estamos no Alfa Pendular quando chegarmos à Gare do Oriente.»

«Bem, carregas tu o gajo, que eu levo as mochilas».

O nosso amigo “semi-tripeiro” estava, realmente, numas condições lastimáveis. Após ter deixado, em duas longas e dolorosas etapas, o conteúdo do seu estômago nas ruas da Invicta, Chico ressonava agora, encostado a uma parede da estação.

«’Tá a andar, mitra! Temos um comboio para apanhar»

Quis o bom senso que acabássemos por dividir o peso das malas…e do Chico.

Conseguimos um bom lugar, composto por dois bancos corridos, só para nós, o que nos permitia um assinalável conforto, especialmente, se fosse tido em conta o tempo que iríamos demorar a chegar à capital.

Após a primeira hora, o meu aborrecimento já começava a morder. Decidi irritar o Chico, que ainda tinha ligadas as turbinas do ronco.

«Acorda, ranhoso! Chegámos», disse-lhe ao ouvido.

Chico sentou-se, agarrou na mala mais próxima e reparou no nosso ar jocoso.

«Bardamerdinha para ambos! Está aqui um gajo todo lixado e vocês a gozar. ‘Tou cheio de gripes!»

«E eu estou cheio de ressacas», retorqui.

«E eu», respondeu o Jay, visivelmente transtornado, «não tenho mortalhas».

A viagem afigurava-se verdadeiramente violenta…estado que se alterou somente a cerca de três horas do nosso destino, quando as minhas condições cerebrais me permitiram lembrar-me de que me encontrava em posse do meu leitor de mp3 e, melhor ainda, de um par de colunas.

- Jay, qual é, na tua iluminadíssima opinião, a música ideal para nos guiar durante o percurso restante desta árdua jornada? - inquiri.

- Talvez Rage Against the Machine.

- Isso! Isso! – exclamou o Chico, sentando-se repentinamente no banco.

- Não é má ideia – respondi enquanto percorria a lista de intérpretes que a capacidade do engenho me permitia armazenar – mas acho que acabei de encontrar a música ideal.

O estrondo que ecoou mal carreguei no “play” não permitia quaisquer dúvidas aos presentes. Estávamos perante os Turbonegro. A sensação de cumplicidade que senti por parte dos meus companheiros de viagem (e de rambóia, e de banda, e dos bons momentos, e dos maus momentos, e de toda uma vida) foi o suficiente para saber que tinha feito a escolha certa.

A força avassaladora destilada na música dos noruegueses era a estalada na cara que precisávamos para nos motivar a enfrentar a restante distância que os carris nos reservavam. O modo aleatório fazia saltar as músicas de álbum para álbum. Entre Party Animals, Ass Cobra, Scandinavian Leather e Retox, parecia que comboio descarrilava.

Após o final da faixa Death From Above, estremeci ao ouvir os acordes iniciais da Boys From Nowhere. A nossa reacção foi simultânea: levantámo-nos os três. Numa viagem deste cariz, seria um crime não absorvermos a força bruta que esta música produzia. Embora o riff de Euroboy já tivesse destruído, na nossa cabeça, tudo aquilo que nos rodeava, a voz de Hank Von Helvete (Hank do Inferno) surgiu para expandir a sensação de caos. Se com as músicas anteriores, a locomotiva apresentava dificuldades em manter-se sobre os sulcos metálicos, agora iria certamente enfaixar-se contra as paredes de um túnel.

E foi, no auge, já com a vista repousada nos arredores de Lisboa, que gritámos, simultaneamente o final do refrão:

Because when the world is over

We’re still the boys from nowhere

And tonight

Tonight we’re coming home.

Não voltaríamos a ter uma entrada tão triunfante em Santa Apolónia.



1 comentário:

Batista disse...

Este post é um grande mambo !!!