sábado, 21 de abril de 2007

Uma pequena ficção

"Se o teu ego não ocupasse toda a tua vida, talvez existisse espaço para mim". Foram estas as últimas palavras que lhe disse, no momento em que virei as costas e a abandonei. Não me seguiu, limitou-se a fitar-me, soube-o porque sentia a sua frustração nos dois pontos do meu dorso em que os seus olhos se fixaram. Não podia dar-me ao luxo de olhar para trás, continuei o meu rumo, desliguei-me da atmosfera que me rodeava ao colocar os headphones nos ouvidos. Mergulhei no autismo da música, era assim que enfrentava a possibilidade de ter cometido um erro crasso, um erro necessário, talvez. Não consentia condenar-me a mim próprio a uma existência ténue na vida de alguém.
À medida que me afastava, ia ganhando a noção de que não estava a fugir a coisa alguma, pelo contrário, estava de costas voltadas, mas enfrentava a situação, marcava a minha posição, contestava resignado.
A gravilha agitava-se debaixo das minhas solas, ao mesmo tempo que era beijado na cara pela brisa primaveril e o Sol descendente me fazia brilhar. Tinha acabado de perder algo mas sentia-me mais completo.
"Obrigado, deste-me todo este vazio para explorar", pensei em voz alta...

1 comentário:

Patricia disse...

Perfeito!!! adorei este post. quantas vezes já não nos sentimos todos exactamente assim? faz-me lembrar o capitulo de um livro que começa assim: "Obrigadinha, deixaste-me na merda".
E pronto.
Gostei desta tua pequena ficção!