quarta-feira, 25 de abril de 2007

Penas

"Pedro! Vem aqui depressa!" Segui a ondulação entusiasmada da voz da minha mãe até à sala para me deparar com uma pomba branca que tinha acabado de entrar pela janela escancarada.
"Podemos ficar com ela, mãe?" perguntei com a vontade da criança que era.
"Não, filho. Elas não se dão bem dentro de casas."
Assenti. Tinha a percepção que aquela criatura não tinha um carácter doméstico.
Ajudei-a a afugentar o bicho, que olhava para nós curioso e sereno.
Hoje pergunto-me se não terá tido algum significado, algo relacionado com esta casa, onde, com alguns contratempos, temos tido a porção de felicidade que procuramos uma vida inteira.
Agora, na hora de pensar em mudanças, surgem no pensamento lembranças a que nunca dei muita importância. O quarto que partilhava com os meus irmãos, a janela onde observava o Sol a deitar-se por trás do Monsanto, a mesa em cuja cabeceira se sentava o meu avô pelo menos uma vez por ano, com uma postura imperial e um sorriso magnânime, o regente do nosso reino de orgulho...
À medida que observo a nossa futura casa penso se algum dia também entrará aí uma pálida pomba detentora de toda a tranquilidade da vida, à procura da criança que já não o é e não o voltará a ser.
Aquela criança que só existe interiormente, nas recordações, nas fotografias das estantes e nos olhos dos meus pais e pergunta, ansiosa, "quando nos mudamos?"
Aquele projecto de pessoa que agora se inquieta com o forte aroma que reina na nova casa, o aroma intenso e envolvente que emana da solidão...

1 comentário:

Anónimo disse...

muito bem pedrinho... ta lindo..:'(